IA Revela Segredos dos Cheiros

Experiências com ajuda da IA, cientistas tentam entender o olfato e a criar novos odores
Redação
Foto: DivulgaçãoImagem meramente ilustrativa
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Segundo um estudo publicado na Nature Neuroscience, publicada hoje (03/092024),  pesquisadores estão desvendando os mistérios do olfato (veja pdf), revelando que a estrutura química de uma molécula não determina de forma óbvia seu cheiro. Produtos químicos com estruturas semelhantes podem ter odores drasticamente diferentes, enquanto compostos com estruturas distintas podem produzir aromas quase idênticos. Essa descoberta é parte de um crescente corpo de pesquisas que está transformando nossa compreensão do olfato e abrindo portas para novas tecnologias.

No laboratório da empresa Osmo, em Cambridge, Massachusetts, liderada por Alex Wiltschko, um aroma peculiar impregnou o ambiente. Wiltschko descreveu o cheiro como o do verão no Texas, algo semelhante à transição da polpa vermelha para a casca branca da melancia. Essa experiência surgiu com a criação de uma molécula inédita chamada 533, desenvolvida no contexto de uma ambiciosa missão para entender e digitalizar cheiros.

“Era uma molécula que ninguém nunca tinha visto antes”, diz Wiltschko. O objetivo de sua equipe é criar um sistema capaz de detectar, prever ou até mesmo gerar novos odores, tarefa que se mostrou complexa, como evidenciado pela molécula 533. “Se você observasse a estrutura, jamais imaginaria que o cheiro seria esse”, afirma Wiltschko.

A dificuldade de prever o cheiro de uma molécula baseando-se apenas em sua estrutura química é uma das grandes questões no estudo do olfato. Como observou Joel Mainland, neurocientista do Monell Chemical Senses Center, na Filadélfia, o olfato não possui parâmetros claros como a visão ou a audição, tornando difícil prever onde um determinado odor, como o de "gelo", se localizaria em relação a outro, como o de "sauna".

Os animais, incluindo os humanos, desenvolveram sistemas extremamente complexos para decodificar uma vasta gama de moléculas odoríferas. Enquanto os olhos humanos possuem dois tipos de células receptoras, o olfato conta com 400 tipos de receptores. A combinação dos sinais desses receptores para gerar uma percepção específica é ainda um mistério. Além disso, as proteínas receptoras olfativas são difíceis de estudar, e sua estrutura e funcionamento permanecem em grande parte desconhecidos.

No entanto, os avanços recentes em biologia estrutural, análise de dados e inteligência artificial (IA) estão começando a transformar nossa compreensão do olfato. Muitos cientistas acreditam que decifrar o código olfativo pode ajudar a entender como os animais utilizam esse sentido vital para encontrar alimento e parceiros, além de como ele influencia a memória, as emoções, o estresse e o apetite.

Há também um grande interesse em digitalizar o cheiro para criar novas tecnologias. Dispositivos capazes de diagnosticar doenças através de odores, repelentes de insetos mais eficazes, e moléculas de aroma mais acessíveis para a indústria de fragrâncias, avaliada em 30 bilhões de dólares, estão entre as inovações possíveis. Atualmente, pelo menos 20 startups estão desenvolvendo narizes eletrônicos para aplicações em saúde e segurança pública.

Conforme destacou Sandeep Robert Datta, neurocientista da Harvard Medical School, “o olfato está tendo seu momento”. Mesmo para especialistas, as propriedades físicas de uma molécula odorífera frequentemente oferecem poucas pistas sobre como ela cheira. Pesquisadores criaram modelos computacionais que tentam relacionar estrutura ao odor, mas as primeiras versões eram limitadas, baseadas em conjuntos de dados restritos ou incapazes de fazer previsões precisas sem a calibração da intensidade do cheiro.

Em 2020, uma equipe de pesquisa relatou um modelo capaz de prever a semelhança entre misturas de odores do mundo real. O modelo conseguiu identificar corretamente que os odorantes de rosa e violeta eram mais semelhantes entre si do que qualquer um deles em comparação com o tempero assa-fétida, frequentemente utilizado na culinária indiana.

Tentativas anteriores de usar aprendizado de máquina para prever cheiros tinham limitações. Por exemplo, em uma competição para criar o melhor modelo de previsão de odores, algoritmos de 22 equipes conseguiram prever efetivamente apenas 8 de 19 descritores de cheiro. No ano passado, a equipe de Wiltschko, então parte da divisão de pesquisa de IA do Google, colaborou com pesquisadores do Monell, incluindo Mainland, para publicar um mapa olfativo usando IA.

O modelo de IA foi treinado com milhares de descrições de estruturas moleculares de catálogos de fragrâncias, juntamente com rótulos de cheiro como "carnudo" ou "floral". Em testes, a IA foi comparada com humanos, que classificaram aromas usando 55 descritores, como 'esfumaçado', 'tropical' e 'ceroso'. Embora o cheiro seja uma percepção subjetiva, o algoritmo teve um desempenho superior ao farejador humano médio, prevendo com precisão os cheiros com base apenas na estrutura molecular. O mapa produzido pelo algoritmo, embora complexo, conseguiu agrupar cheiros por tipo, como carne, álcool ou madeira.

Esses avanços indicam que estamos cada vez mais próximos de decifrar o código olfativo, uma conquista que pode transformar nossa compreensão do olfato e abrir novas fronteiras tecnológicas.